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25/08/2025

Associação Cristã de Base (ACB): Uma História Vivida e Compartilhada | CRATO-CE

Jornalista Lucélia Muniz

Ubuntu Notícias, 25 de agosto de 2025

@luceliamuniz_09     @ubuntunoticias  @acb.crato

Por Nágila Batista Coelho - Doutoranda em Agroecologia e Desenvolvimento Territorial pela Universidade Federal do Vale do São Francisco-UNIVASF. Mestra em Desenvolvimento Regional Sustentável pela Universidade Federal do Cariri-UFCA.

No sábado (09), foi realizada na Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (FETRAECE), das 8h às 17h, uma atividade de resgate histórico da Associação Cristã de Base (ACB). O encontro foi conduzido pelos sócios-fundadores da instituição, Maria Socorro da Silva e Francisco de Assis Batista, que compartilharam a história da fundação da ACB. A mediação ficou a cargo de Maria Eliana, também parte da origem da entidade, especialmente no início dos debates políticos e sociais.

A programação teve início com uma dinâmica de apresentação dos participantes, conduzida por Socorro, utilizando uma metodologia de participação ativa. Cada pessoa foi convidada a escrever, em um papel, uma palavra que representasse o sentimento vivido naquele momento. Entre as palavras registradas, destacaram-se: empatia, resistência, expectativa, acolhimento, casa, conhecimento, sabedoria.

Em seguida, todos se reuniram em círculo e, ao mesmo tempo, levantaram seus papéis, dizendo em voz alta o sentimento escolhido. Essa atividade proporcionou um momento de integração, valorizando a presença e a ação coletiva, além de abrir espaço para que cada participante expressasse suas emoções e percepções.

Em seguida, Dona Socorro deu início ao relato da história da Associação Cristã de Base (ACB), resgatando a memória das duas primeiras décadas de atuação, de 1982 a 2002. A iniciativa surgiu de um grupo de cerca de 20 jovens, todos de origem rural e espalhados pela região do Cariri. Embora ligados à igreja, esses jovens não concordavam plenamente com as ideias transmitidas por padres e dirigentes religiosos, especialmente a visão de um Deus que pune, que determina quem é rico ou pobre, e que justificava a pobreza como vontade divina.

Esse discurso começou a incomodar profundamente o grupo, que passou a questionar tais concepções e a buscar novas formas de compreensão e atuação. Movidos pelo desejo de transformação social, decidiram agir, dando início a atividades em campo voltadas para a orientação e o apoio às pessoas mais carentes, levando informação, conhecimento e incentivo à reflexão crítica sobre a realidade vivida.

As andanças pelas comunidades, com o propósito de orientar a população sobre educação, política e vida digna, tiveram início em 1978. Sem recursos para a realização das atividades, o grupo se organizava dividindo-se entre cidades vizinhas — locais de origem dos idealizadores do movimento. Entre essas cidades estavam Crato, Jardim, Santana do Cariri, Potengi, Milagres e outras do Cariri.

Nesse período, destacaram-se nomes importantes como Alda, Assunção, Batista, Mário e outros, que hoje já não estão mais presentes fisicamente, Jeová, Antônio Gomes Farias, José Raimundo, mas permanecem vivos na memória e na história do movimento.

Nesse período, todo o trabalho foi realizado de forma coletiva e voluntária, em parceria com as comunidades e com pessoas que se engajavam como voluntárias. Essas ações incluíam a oferta de cursos e palestras, além do apoio na organização das comunidades em associações, o que facilitava o trabalho e fortalecia a atuação em coletividade. Assim, consolidou-se uma dinâmica participativa, na qual todos tinham voz e vez. As atividades abrangiam diversos eixos, como empoderamento feminino, economia solidária, cooperativismo e associativismo.

Essas atividades ganhavam força à medida que a comunidade passava a reconhecer e valorizar seu potencial coletivo. Com o tempo, aqueles que buscavam compreender melhor essas dinâmicas também passaram a integrar a organização dos espaços, oferecendo suas próprias casas como apoio aos voluntários, garantindo-lhes hospedagem e alimentação.

Com a dinâmica de formação de turmas em diferentes municípios, iniciou-se o processo de formalização do grupo, que já realizava reuniões e trabalhos na região do Cariri. Com a organização consolidada, chegou o momento de elaborar e registrar o estatuto da Associação Cristã de Base (ACB), oficialmente regularizada no dia 04 de junho de 1982, na cidade do Crato-CE.

O nome “Associação Cristã de Base” foi escolhido em razão da forte ligação que o grupo mantinha, na época, com a Igreja e, principalmente, com os princípios do cristianismo e do Novo Testamento — sendo “Cristã” também uma referência à base do Evangelho. Contudo, naquele período, a Igreja possuía estreita relação com o regime militar, o que gerou resistências tanto por parte de setores eclesiásticos quanto de autoridades locais. Nas reuniões realizadas nas comunidades e cidades, o grupo enfrentou oposição de prefeituras e chegou a ser rotulado como “desocupados”. Prefeitos de municípios vizinhos temiam as chamadas “invasões”.

Socorro relembra que, ao final da década de 1980, começaram a surgir outras instituições na região, o que fortaleceu a ACB, oferecendo referências e parcerias que facilitaram a comunicação e a organização das atividades. Esse contato também abriu caminhos para novas formas de trabalho, como a introdução das tecnologias alternativas, voltadas para facilitar a vida do homem e da mulher do campo.

Com a resistência e a determinação do grupo, o movimento iniciou sua trajetória na captação de recursos. O primeiro incentivo financeiro chegou em 1985, vindo de Oxford, na Inglaterra. Esse apoio estrangeiro foi fundamental para custear as atividades de campo e de escritório, além de viabilizar a organização da documentação da instituição e a melhoria do transporte, facilitando o desenvolvimento das ações.

Da transição da década de 1980 para a de 1990, foi aprovado o primeiro projeto voltado integralmente às tecnologias alternativas, pela Fundação Interamericana-IAF, com o objetivo de orientar as comunidades sobre práticas sustentáveis de manejo da terra. Esse marco incentivou a elaboração de novos projetos para captar recursos e ampliar o alcance da instituição.

Nesse mesmo período foi aprovado um projeto de dez anos de atuação, tendo como financiador a Broederlikdeler, que tinha como objetivo fortalecer as atividades dos sindicatos, grupos de mulheres e associações.

Nos anos 1990, a ACB conquistou um importante projeto, financiado pela Ação Agrária Alemã. Essa iniciativa trouxe um técnico para orientar as ações, deu início ao trabalho de construção de cisternas e impulsionou o movimento da ASA–Articulação do Semiárido, que começou com poucos integrantes, mas ganhou força a partir de 1999, reunindo instituições filiadas de toda a região.

Em 1992, a ACB enfrentou mais um desafio, o alto índice de analfabetismo nas comunidades rurais. Muitos moradores não sabiam ler nem escrever. Para compreender a dimensão do problema, foi realizada uma pesquisa identificando quem eram essas pessoas, onde viviam e suas faixas etárias.

Nesse mesmo período, o trabalho com mulheres tornou-se ainda mais intenso, com ações de orientação sobre seus direitos, seu valor social e o papel fundamental que desempenham no trabalho no campo. O trabalho desenvolvido com as mulheres trouxe resultados significativos, e foi realizado o primeiro encontro de mulheres da região.

Em 2003, o Programa Cisternas foi transformado em política pública, tornando-se um marco para a melhoria das condições de vida das famílias, especialmente no acesso à água, no direito à terra e na promoção de uma vida digna.

Nesse mesmo período, iniciaram-se as discussões sobre posse de terra e o diálogo com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o que possibilitou a muitas famílias conquistar a propriedade de suas terras. Esse avanço permitiu também a construção de prédios que passaram a abrigar salas de aula e espaços para encontros comunitários.

Essas conquistas motivaram alterações no estatuto da instituição, com o objetivo de ampliar o acesso a novos projetos, mantendo-se, contudo, fiel aos princípios essenciais de sua missão: cidadania e educação popular — valores inegociáveis.

Na terceira década de atuação, as propostas se intensificaram, fortalecidas por novas parcerias e pelo apoio internacional, o que ampliou ainda mais o alcance da instituição.

Batista destacou que a ACB também esteve presente na criação do Partido dos Trabalhadores (PT), na fundação de escolas voltadas para a luta pela terra, pela água e pela educação, e no incentivo a discussões ligadas à Teologia da Libertação. Foi nesse período que teve início o curso de agrofloresta, tornando a ACB uma das pioneiras sobre o tema na região. Esses cursos foram ministrados pelo Ernest Gust.

O momento histórico foi especialmente produtivo para os colaboradores que estavam ingressando em novos projetos, permitindo-lhes compreender o contexto histórico e institucional da ACB. Para provocar reflexão, foi apresentada a música Força Estranha, de Caetano Veloso, incentivando cada participante a pensar sobre o que o move, qual é a “força” que impulsiona sua trajetória. Todos tiveram a oportunidade de compartilhar suas percepções e relacionar a canção ao momento vivido.

Em seguida, o espaço foi aberto para perguntas e comentários, e os participantes puderam falar sobre o encontro e as histórias compartilhadas pelos fundadores.

Para encerrar, Socorro conduziu uma dinâmica interativa: distribuiu uma folha em branco para cada pessoa, pediu que a amassassem e depois a desamassassem, observando como ela tinha ficado. A proposta era refletir sobre o fato de que, ao receber uma informação, nunca permanecemos os mesmos — por mais que tentemos, algo sempre é transformado dentro de nós. Após a atividade, cada um pôde expressar o que a dinâmica representou e suas impressões sobre o momento.

O encontro foi finalizado de forma leve e coletiva, com todos cantando juntos a música Como Uma Onda no mar, de Lulu Santos, encerrando o evento com um clima de união e celebração.

Um comentário:

  1. Muito importante esse encontro que teve um parâmetro de formação e histórico. Faz-se necessário essas dinâmicas História e memórias para o fortalecimento não só da instituição como visibilizar ações em prol do Semiárido Nordestino

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