DA ESQ. PARA A DIR.: AMÉLIA
TELES, ANA MARIA ARATANGY E CRIMÉIA DE ALMEIDA (FOTO: FABIO BRAGA E TADEU
BRUNELLI)
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27/02/2014 - 10:33
Atualizado
em 25/03/2014 - 18:41
Sugerido por Gunter Zibell - SP
Da Marie Claire
A Comissão
Nacional da Verdade, criada para elucidar crimes cometidos durante o período
acaba de completar um ano. Antes de seu encerramento em 2014, tem como uma de
suas principais missões contar o que sofreram as mulheres que foram contra o
regime. São brasileiras hoje na faixa dos 60 anos, como as ouvidas por Marie
Claire: vítimas de estupros, choques nos mamilos, ameaças aos filhos,
abortos...
Em pé sobre
uma cadeira, nua, encapuzada e enrolada em fios, Ana Mércia Silva Roberts,
então com 24 anos, esforçava-se para manter os braços abertos, sustentando uma
folha de papel presa entre os dedos de cada mão. Ela estava naquela posição
havia horas. A cada vez que o cansaço lhe fazia baixar minimamente os
braços, um choque elétrico percorria todo seu corpo. E as gargalhadas
preenchiam a pequena sala. Eram vários homens, talvez oito, talvez dez. Cada um
com um rosto, uma história, uma vida. “Um dos meus torturadores poderia
ser meu avô, um senhor de gravata-borboleta para quem eu daria lugar no ônibus;
o outro era um loiro com chapéu de caubói. Havia um homem com jeito de pai
compreensivo que chegou a me dar um chocolate, e um jovem bonito com longos
cabelos escuros, que andava de peito nu, ostentando um crucifixo, de codinome
Jesus Cristo”, afirma.
O rosto
desses algozes, integrantes da repressão militar, e as cenas do dia em que teve
de ser estátua viva perante eles são parte das lembranças que Ana
Mércia, hoje 66, guarda de quase três meses de prisão no DOI-Codi e no Dops,
dois centros paulistanos de tortura e prisão de oposicionistas ao regime
militar, instaurado sete anos antes. Integrante do Partido Operário Comunista,
ela esteve nos porões da ditadura em 1971, mesma época em que o País vivia a
prosperidade do “milagre econômico” e o ufanismo alimentado pela conquista
da Copa de 70 e por slogans como “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Nos meses em
que ficou encarcerada, seu corpo e mente foram massacrados de diversas formas.
Mas não é ao descrevê-las que seus olhos ficam marejados. “Estranhamente, eu
não me lembro de quase nada daquelas semanas, meses. Fiz terapia, mas não
consigo recuperar esses trechos da minha vida. O que mais me dói é isso.
Vários pedaços de mim e da minha existência não me pertencem, ficaram com eles
(os militares)”. Ana Mércia é uma mulher com pouca memória das torturas
daqueles porões. E é também uma metáfora do próprio Brasil, que segue
desmemoriado das histórias do regime militar (1964 a 1985) quase 30 anos
depois do fim da ditadura.
A diferença
entre Ana Mércia e o Brasil é que ao País foi dada a chance de recuperar e
registrar os detalhes de sua história. É essa a missão da Comissão
Nacional da Verdade, criada pela presidenta Dilma Rousseff (ela mesma vítima de
torturas do Estado) e que tornou acessíveis uma série de papéis até então
secretos. Desde maio de 2012, 19 milhões de páginas de documentos foram
retirados de seus arquivos e estão em análise, e cerca de 350 pessoas foram
ouvidas. É um movimento delicado e, para muitos, atrasado. Até então, o
Brasil já havia debatido por anos como lidar com a violência da época.
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