Glenda
Mezarobba
Uma reflexão sobre o diálogo
entre a Comissão Nacional da Verdade, o Ministério da Defesa e as Forças
Armadas no Brasil
Em 2010, buscando cumprir o
dever do Estado brasileiro de revelar a verdade, a Presidência da República
criou um grupo de trabalho para elaborar anteprojeto de lei com o objetivo de
instituir um órgão de investigação da história de graves violações de direitos
humanos ocorridas durante a ditadura militar (1964-1985). Integrado por
representantes da Casa Civil e dos Ministérios da Justiça, Defesa e da
Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), pelo presidente da Comissão
Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e por um representante
da sociedade civil, o grupo atuou durante três meses na redação daquela que
viria a se tornar, no final de 2011, a Lei 12.528. Apoiada
por essa legislação, em 16 de maio de 2012, a Comissão Nacional da Verdade
(CNV) foi estabelecida com a finalidade de examinar e esclarecer as graves
violações de direitos humanos praticadas entre 1946 e 1988, “a fim de efetivar
o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional”.
A Comissão tinha como um de
seus objetivos legalmente estabelecidos esclarecer os fatos e as circunstâncias
dos casos de graves violações de direitos humanos, ou seja, dos casos de
torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua
autoria, ainda que ocorridos no exterior – inclusive por meio da colaboração
com outros entes públicos. (...)
Para execução de seus
objetivos, à Comissão foi facultada a possibilidade de “requisitar informações,
dados e documentos de órgãos e entidades do poder público, ainda que
classificados em qualquer grau de sigilo” e de “requisitar o auxílio de
entidades e órgãos públicos”. A legislação também estabelecia o “dever dos
servidores públicos e dos militares” de colaborar com a Comissão Nacional da
Verdade.
De acordo com seu Relatório
Final, tornado público em 10 de dezembro de 2014, “no contexto do
relacionamento da CNV com órgãos da administração pública, a interlocução mais
relevante para o desempenho das atividades legalmente estabelecidas para a
Comissão foi a mantida com o Ministério da Defesa e as Forças Armadas”.
Conforme o documento,
ao longo de todo o período de
seu funcionamento, a CNV empreendeu esforços para a obtenção de informações e
documentos concernentes – direta ou indiretamente – a graves violações de direitos
humanos que estivessem sob a responsabilidade ou guarda das Forças Armadas,
assim como para a identificação de estruturas, locais, instituições
administrativamente afetadas ou que estiveram administrativamente afetadas às
Forças Armadas e que foram utilizadas para perpetração de graves violações de
direitos humanos.
Ainda segundo o Relatório
Final, a primeira manifestação formal da CNV foi promovida em 27 de junho de
2012. Por intermédio de ofício dirigido ao MD, solicitou-se às FAA acesso “às
informações documentais pertinentes ao Exército, à Marinha e à Aeronáutica que
fossem relacionadas a graves violações de direitos humanos”.11 A partir de 2013, a CNV passou a formular duas
espécies de requerimentos. A primeira apresentava questionamentos acerca de
casos específicos de graves violações de direitos humanos. O segundo conjunto
de requerimentos, dirigido ao Ministério da Defesa e a seus comandos,
referia-se ao acesso da CNV às folhas de alterações e assentamentos funcionais
de militares da reserva, com objetivo de esclarecer graves violações de
direitos humanos e de identificar estruturas, instituições, órgãos e locais
associados a esses crimes.
Em 2014, atendendo
solicitação da CNV, as FAA realizaram sindicâncias para investigar a prática de
graves violações de direitos humanos em suas próprias instalações. Essa linha
de ação foi adotada no mês de fevereiro do mesmo ano, quando o colegiado, em
reunião com o ministro da Defesa, requereu a instauração de tais procedimentos
administrativos para apurar de que forma sete instalações militares localizadas
nos Estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Pernambuco “foram
utilizadas contínua e sistematicamente para a prática de tortura e execuções
durante o regime militar”. O pedido foi acompanhado de relatório preliminar de
pesquisa indicando o uso de unidades do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
“como palco de graves violações de direitos humanos”. No documento, elaborado a
partir de parecer de dois professores da área de Direito Administrativo, da
Universidade de São Paulo, a CNV considerava:
imperioso o esclarecimento de
todas as circunstâncias administrativas que conduziram ao desvirtuamento do fim
público estabelecido para aquelas instalações, configurando o ilícito
administrativo do desvio de finalidade, já que não se pode conceber que
próprios públicos […] pudessem ter sido formalmente destinados à prática de
atos ilegais.
A autora argumenta que, ainda
que nenhum caso de desaparecimento forçado ou morte tenha sido elucidado, o
esforço de diálogo não pode ser desprezado.
FONTE: SUR – Revista Internacionalde Direitos Humanos
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