Jornalista
Lucélia Muniz
Ubuntu
Notícias, 14 de dezembro de 2025
@luceliamuniz_09 @ubuntunoticias @melo._suyane
@espeditoseleirooficial
Os trechos do artigo que segue foram elaborados pela pesquisadora Suyane
Pereira de Melo, discente do Mestrado em Design pela Universidade Federal do
Rio de Janeiro-UFRJ. A mesma entrou em contato com a nossa redação e vamos
compartilhar aqui com vocês alguns trechos.
Suyane
Melo nasceu em Fortaleza-CE e cresceu na região dos Inhamus, em
Antonina do Norte. É formada em moda pela Universidade do Grande Rio-Unigranrio
e atualmente é discente no Mestrado em Design pela Universidade Federal do Rio
de Janeiro-UFRJ onde dedica-se às pesquisas relacionadas ao seu projeto que tem
como objeto de estudo o trabalho do Mestre
Espedito Seleiro. Suyane também é
cordelista, e considera-se uma aprendiz na arte da poesia. Uma Sertaneja fiel à
sua cultura e aos costumes da sua região.
OS
TERRITÓRIOS SIMBÓLICOS NO PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO E RECONFIGURAÇÃO DO
TRABALHO DE ESPEDITO SELEIRO Por Suyane Pereira de Melo
(...) a jornada de vida do artesão Espedito Veloso de Carvalho,
mais conhecido como Espedito Seleiro com S de Sela, pois herdou do pai o ofício
de seleiro, aos 10 anos de idade confeccionou seu primeiro artefato em couro,
uma maleta, seguindo as técnicas e o modelo de repetição, tendo a figura
paterna como mestre. Aprendeu ainda criança a decifrar as funções de cada
ferramenta e a manusear com destreza a matéria-prima, o couro. Material que
tornou-se sua principal fonte de renda. Espedito vem de uma família de
Seleiros, cresceu vendo seu pai fabricar todo tipo de equipamento e acessórios
para uso pessoal e para os vaqueiros da região. Numa época em que haviam muitas
fazendas, e a família seleiro era sempre solicitada pelos vaqueiros da região
Espedito casou-se e começou a trabalhar sozinho, iniciando assim,
o processo de transformação do seu território. As tradições se constroem a
partir de elementos que constituem a identidade de determinado grupo, a
constituição dessa identidade se dá a partir de agenciamentos, e por mais que
seja comum partilhar o mesmo território, existem contratempos que fazem com que
o artesão refaça sua rota, na construção de um novo território, no processo de
desterritorialização. Ao desvincular-se do seu pai, Espedito inicia um novo
capítulo em sua história. Com o advento da crise da profissão de vaqueiro
Espedito precisou repensar o futuro do seu ofício, o que fez com que o artesão
ampliasse a variedade de produtos, modificando também seu público alvo.
A profissão de vaqueiro, atividade tradicionalmente ligada à
criação de gado e à cultura sertaneja enfrentou desafios como a mecanização da
agricultura e a legislação ambiental, fatores esses que continuam desafiando a
profissão, especialmente no nordeste, com a mudança de perfil das propriedades
e a própria transformação da sociedade houve uma significativa queda na
profissão, trazendo fortes mudanças no cenário e cultura sertaneja.
Uma das mudanças mais significativas, foi a troca de meio de
transporte, quando o vaqueiro troca o cavalo pela moto, e a sela, artefato que
deu nome à profissão de muitos artesãos deixa de ser o produto de maior relevância
e uso, assim como a própria vestimenta do vaqueiro, o Gibão. Com a escassez
cada vez maior do seu público alvo, Espedito precisou reiventar-se.

As primeiras mudanças ocorreram a partir da confecção de uma sela
encomendada por um cigano. Espedito relata que o cigano pediu que ele criasse
algo diferente, que nem ele, nem o pai dele, nem o avo haviam feito, algo que
nenhum seleiro da região tinha feito. Espedito já tinha experiência em
confecções de sela, e para não mexer na estrutura, resolveu inovar adicionando
cores na superfície do couro, algo que até então não era comum na região, visto
que o costume era o uso do couro em seu tom natural. Com a dificuldade de
encontrar o couro já tingido, o artesão fez todo o processo de tingimento,
fazendo uso de corantes naturais. Utilizando as técnicas que aprendeu com o seu
pai.
A partir da confecção da sela colorida, Espedito ressignificou seu
ofício, com a inserção de novos elementos visuais aliados aos padrões já
existentes, preservando os traços culturais presentes nos desenhos criados pelo
artesão. Embora a sela tenha sido encomendada para ser utilizada como um
acessório a qual seu uso se destina, ela tem um valor que vai além da função,
pois trata-se de um artefato que passou a possuir um novo significado estético
por ganhar novos elementos visuais, como o uso de cores, a sobreposição de
materiais, textura e forma.
A sela é em suma a reterritorialização do ofício de Espedito
Seleiro, é a reconfiguração, onde ele integrou novas normas, construindo um
entrecruzamento entre o passado e o presente. Se há um movimento de
desterritorialização, teremos também um movimento de reterritorialização” no
que se refere à transformação do trabalho de Espedito Seleiro, esse processo se
deu a partir do uso de novos elementos em seus produtos, como o uso de cores,
materiais, formas e texturas. Elementos esses que permanecem em seus produtos.
É importante ressaltar que, quando acontece o processo de
desterritorialização, surge o fenómeno de reterritorialização, acima
mencionados, algumas práticas e costumes não deixam de existir no grupo que foi
desterritorializado. Contudo, as práticas e costumes se adaptam e interagem com
outros costumes, na construção de um hibridismo, como um território em transito.
Em se tratando da transformação no trabalho de Espedito Seleiro, o
artesão criou sua própria identidade, sem abandonar os padrões impostos pela
tradição familiar em que o ofício é transmitido através de gerações. O mesmo
movimento está acontecendo na trajetória de seu filho Maninho Seleiro, o filho
do artesão trabalha diretamente com o pai em seu atelier, onde iniciou seu
ofício seguindo os mesmos moldes, aprendendo através da repetição. Mantendo a
tradição familiar na transmissão de ofício.