11/03/2019

“Ideologia de gênero”? Só se for o machismo. E machismo mata

Lucélia Muniz
Ubuntu Notícias, 11 de março de 2019
Via Congresso em Foco
"A desigualdade de gênero não pode ser tratada com tanta irresponsabilidade pelo poder público e a ser alimentada como uma disputa de narrativas" [fotografia] Letícia Zanchi / PRETA[/fotografia]
A cada ano, no Dia Internacional da Mulher, costuma-se lembrar das conquistas sociais, políticas e econômicas das mulheres, como o direito ao trabalho e o direito de escolher suas representações políticas. Mais do que nunca, hoje precisamos lembrar que coisas que atualmente parecem naturais, de fato, foram conquistadas arduamente. Literalmente com sangue, suor e lágrimas, sob a liderança do movimento feminista.

Levou tempo, mas finalmente, agora, todas as evidências mostram: sem igualdade de direitos entre homens e mulheres, jamais haverá uma sociedade justa e economicamente sustentável. Mas o falso debate, imposto por ideias atrasadas e conservadoras, de que falar em direitos das mulheres é um perigo para a sociedade, segue alimentado sob a expressão “ideologia de gênero”, que apenas reforça o machismo e a violência contra as mulheres e contra as pessoas LGBTI+.

O uso pejorativo do termo tem embasado as falsas teorias – e as mentiras deslavadas – de grupos que resistem, por princípio, ao avanço de políticas públicas de promoção da diversidade sexual e igualdade de gênero. Ou seja, ao avanço de direitos mais estruturantes aos seres humanos: o direito de ser quem se é, e de ser respeitada como tal.

No Brasil, o debate ganhou força a partir de 2014, nas discussões sobre o Plano Nacional de Educação e atingiu seu ápice nas eleições de 2018: a defesa da "família tradicional" pautou e definiu o pleito, passando a balizar as falas e ações do atual governo, explicitamente antagônico aos movimentos feminista e LGBT+.

Os resultados eleitorais de 2018 são apenas mais um indicador de quanto a sociedade brasileira é ainda machista e o quanto pouco se importa com a vida das mulheres. Portanto, se existe algo que possa ser chamado de “ideologia no campo de gênero”, a ideologia maléfica, daninha e que precisa ser erradicada é o machismo, que normatizou um conjunto de valores e crenças impregnadas há séculos nas sociedades, corações e mentes, de que os homens são “superiores” às mulheres.

Machistas, portanto, independentemente de qual identidade de gênero ou orientação sexual tenha, são as pessoas que negam o preceito básico de que todos e todas são iguais em direitos e deveres.  Trata-se de uma cultura que, inevitavelmente, resulta em uma brutal carga de violência física, verbal e simbólica.

As evidências são acessíveis a quem quiser fazer um debate com base em dados cientificamente comprovados. A segunda edição do estudo “A vitimização de mulheres no Brasil”, divulgada recentemente pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 16 milhões de brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência em 2018, ou seja, 12.864 mulheres foram agredidas a cada dia, a maioria delas, negras.

E, de novo: 76,4% dos agressores eram conhecidos – namorados e ex-namorados, cônjuges e ex-cônjuges, companheiros e ex-companheiros, vizinhos, pais, amigos, irmãos.

Que desenvolvimento esperar de um país cuja taxa de feminicídio é a quinta maior do mundo e em que 13 mulheres são assassinadas por dia? Sim, o machismo mata e não mata apenas mulheres. A população LGBT+ segue vítima da mesma “ideologia” que, em 2018, matou 420 pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transexuais no Brasil.

E, além da "ideologia machista" matar pessoas, ela também tem assassinado políticas públicas. A atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, por exemplo, nada entende sobre os temas da sua pasta e enquanto se preocupa porque a mulher tem estado "muito fora de casa" ou com o uso de cores, finge ignorar que a igualdade de gênero reforça a resiliência da economia, impulsiona o crescimento e, como prova o Objetivo 5 da Agenda 2030, é fundamental para o desenvolvimento.

Ela “escolhe” ignorar os altos custos altos das desigualdades – o índice de desemprego no final de 2017 era de 13,4%, contra 10,5% entre os homens. Com o recorte de raça a situação das mulheres negras grita ainda mais: segundo o IBGE, o desemprego entre as mulheres negra passou de 9,2% em 2014 para 15,9% em 2017, enquanto entre as brancas, subiu de 6,2% em 2014 para 10,6% em 2017.

Dados do Banco Banco Mundial mostram que o custo da desigualdade, em 2017, em termos globais, chegou a US$ 160 trilhões. Portanto, a opção política que o governo do Brasil faz em continuar um país de "ideologia machista" é grave, muito grave, e precisa ser denunciada neste 8 de março.

Nós conseguimos participação maior no mercado de trabalho (mas ainda menor que os homens), no acesso à saúde (mas continuamos as principais cuidadoras), superamos os homens em anos de escolaridade e nas taxas de expectativa de vida (mais ganhamos menos). A nossa participação política é mínima e muda lentamente, mas chegamos lá.

Somos ameaçadas, reprimidas ou mortas (lembrem de Marielle Franco!). A continuarem os retrocessos nas políticas públicas, incluindo na educação, os dados de violência de gênero se tornarão mais graves e, como consequência, a justiça social, a erradicacão da pobreza e o desenvolvimento nunca serão alcançados.

Por isso, a desigualdade de gênero não pode ser tratada com tanta irresponsabilidade pelo poder público e a ser alimentada como uma disputa de narrativas. Tampouco é um tema apenas para um único dia no ano.

Esta é uma questão de vida e morte para nós, mulheres. O machismo mata. Mata as mulheres, as pessoas LGBTI e a todas as possibilidades de vermos o Brasil se desenvolver e evoluir, sustentavelmente, pelas vias da política.

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