29/09/2017

Pastor é contra ensino religioso nas escolas

“A decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) de estabelecer que o ensino religioso em escolas públicas pode ter caráter confessional, ou seja, que as aulas podem seguir os ensinamentos de uma religião específica, levantou dúvidas sobre a forma e o prazo de implementação da decisão nas unidades escolares.”

Confira a transcrição de trecho da entrevista do Professor e Pastor da Igreja Batista do Caminho, Henrique Vieira, feita no programa Conversa com Bial na qual ele fala sobre os motivos de ser contra esta medida e critica o fundamentalismo que gera ódio e mortes no Brasil.

Sou Pastor, sou cristão, sou evangélico, mas eu entendo que nós temos que defender o estado laico. O estado laico, ele não é contra as religiões até pelo contrário, ele que resguarda a liberdade religiosa, não interfere nessa decisão que é individual. Então pela lógica do estado laico que resguarda a liberdade religiosa, no meu entendimento, a minha defesa é que é melhor não ter o ensino religioso nas escolas.

Porque mesmo facultativo, mesmo o ensino facultativo, acaba gerando um certo constrangimento, uma certa inibição. A gente vive num país de cultura hegemônica cristã é preciso reconhecer isso! Eu reconheço isso como cristão! No limite o ensino religioso confessional, ele acaba numa lógica de doutrinação, de imposição. E, eu creio que a fé nasce nesse campo da liberdade do coração, da espontaneidade, da experiência.

Quando um professor de química vai apresentar a tabela periódica não se espera que ele apresente alguns elementos e não apresente os outros. É um exemplo da química, mas eu quero transpor para o debate no ensino religioso. Porque quando você historicamente, porque temos que olhar para o que vem acontecendo ao longo do tempo no cotidiano escolar. Quando historicamente você apresenta uma religião como referencial, ainda que seja a minha, cristão, pastor e evangélico, você não está contando a história de outras religiões.

Então, você não está ensinando de forma ampla as diversas matrizes religiosas que compõe a história do mundo e a história, por exemplo, do nosso país. E o que é grave? Quando você não conta a história da religião de um povo, você apaga a memória desse povo, você apaga a identidade desse povo e daí a violência que esse povo sofre no dia a dia quase é aceita socialmente ou naturalizada.

Em outras palavras, mesmo como cristão, eu quero reconhecer que historicamente um país profundamente racista e desigual trouxe isso para o ambiente escolar, invisibilizou a nossa ancestralidade de matrizes religiosas africanas e isso tem a ver como uma certa violência maior e seletiva contra as religiões de matriz africana.

Estou aqui como pastor, como cristão, como evangélico, dizendo que o ensino confessional que historicamente no Brasil é cristão acaba trazendo invisibilidade para outras matrizes religiosas. E quando você apaga a religião de um povo, você apaga a cultura desse povo. Quando você apaga a cultura desse povo, você cria um ambiente para que esse povo seja violentado.

O fundamentalismo, ele impossibilita o diálogo e a aceitação do diferente. O extremismo é quando esse fundamentalismo é levado a ações extremas e se materializa em violência simbólica, psicológica e física. No Brasil é preciso falar além de intolerância religiosa em racismo religioso.

A intolerância é fruto do fundamentalismo e isso sempre existiu. No Brasil, a intolerância, eu diria que é potencializada e agravada pelo elemento racista. Então, tudo aquilo que vem da experiência negra, da culturalidade negra acaba ganhando um aspecto de maior repulsa. Isso leva a uma perseguição contra as religiões de matriz africana.

Dentro do próprio cristianismo, vem cá, porque o Jesus branco é tão natural e o Jesus negro tem que ser explicado? Por que os anjos são sempre brancos? E, por que a cor do pecado é sempre preta? A gente nem percebe que o elemento do racismo vai tomando conta das nossas memórias, dos nossos referenciais, das nossas imagens.

Então, respondendo você objetivamente, a educação religiosa que pra mim não tem que acontecer no ambiente escolar. Ela tem que explicar que o fundamentalismo e extremismo geram morte. Quando uma pessoa vai pra televisão ou usa um púlpito no congresso e destila ódio, aquele púlpito e aquela tribuna tem sangue.

O fundamentalismo, ele pode ser mais propenso em religiões mais dogmáticas que fecham a verdade em algo absoluto e não olham para o diálogo. Mas assim, eu vou resumir numa frase: Jesus não morreu quentinho numa cama nem de velhice. Ele foi assassinado. O que significa isso?

Jesus foi torturado porque assim são os crimes de ódio. Não basta matar. É preciso impor o sofrimento e fazer a pessoa sentir a dor de ser quem ela é... então resumindo, pra falar um pouco da minha experiência de fé, sendo Jesus vítima de discurso de ódio, de intolerância e de violência, é no mínimo uma contradição usar o nome de Jesus para fazer aquilo que o matou.

Então, acho que a educação religiosa tem que educar contra o fundamentalismo, contra o extremismo, contra o racismo em prol de uma ética comum.

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