11/03/2015

Mulheres que inspiram – Laudeci Martins

A décima primeira homenageada da Série Mulheres que inspiram é Laudeci Martins.
Laudeci Martins
Mestrado em Economia (UFC), Doutorado em Educação (UERJ), cursando Pós-doutorado em Geografia Espacial (UNESP);
Onde trabalha:
Universidade Federal do Cariri (Mestrado em Desenvolvimento Regional) e Universidade Regional do Cariri (Graduação em Economia).

ENTREVISTA
Lucélia Muniz - Dentro do contexto atual, em sua opinião quais as principais conquistas alcançadas pelas mulheres?
Laudeci Martins - Penso que a principal conquista seja o direito ao exercício da diferença, ou seja, o exercício do feminino não como algo a ser normatizado em termos do homocentrismo. Exercer o papel do feminino não como luta para igualar-se ao masculino é a base de sustentação dos demais direitos conquistados. Isso se manifesta nas relações de trabalho, nas relações familiares, nas relações afetivas, enfim.
No trabalho, por exemplo, embora ainda seja preocupante a diferença de tratamento e de renda, as mulheres cada dia mais ocupam um lugar de destaque não por ‘renderem’ como homem, mas justamente por serem mulheres e como tal apresentarem especificidades distintas.
A intuição feminina, por exemplo, tem sido cada vez mais buscada em alguns nichos de mercado como um valor que antecipa cenários empresariais e, portanto, melhoram a situação da empresa no longo prazo.
A capacidade de agregar, tão comum às mulheres, é outra dimensão que interessa ao mundo empresarial por se mostrar decisiva no setor de RH.
No mundo da família, tem sido cada vez mais valorizado o papel estratégico da mulher na consolidação de valores importantes para construção das novas gerações, ou seja, há um movimento no sentido de resgatar a mulher na família não apenas como responsável pelas tarefas domésticas, mais acima de tudo como elo de consolidação desta família.
Nas relações afetivas, a Lei Maria da Penha, embora com restrições na aplicação, tem funcionado como um importante mecanismo para que se exercite a liberdade do direito às escolhas do feminino, ou seja, com toda a dificuldade a mulher já consegue apartar-se de uma relação que não lhe interessa com um pouco mais mobilidade. Refiro-me a esta dimensão, pois significativa parte da violência contra a mulher tem como fundo a incapacidade do homem de deixar a companheira conduzir sua vida após finalização de uma relação que não mais lhe interessa. A violência tem como fundo o aprisionamento do corpo feminino uma vez que não se consegue aprisionar a alma, a emoção, o desejo.
Por tudo isso, penso que quanto mais formos reconhecidas por nós e pelo Outro (instituições, legislações, familiares) como um diferente que não precisa se igualar ao homem, maiores serão as nossas conquistas e os nossos direitos. Pois, negar a mulher é uma forma articulada de retirar da cena a emoção e a pluralidade, o que tem um sentido filosófico, pois não é o símbolo corporal mulher é o símbolo de representação de um poder diferente. Um poder que integra, gera, pare, cria, educa, molda o mundo.  
 
Lucélia Muniz - E você, qual sua principal conquista enquanto mulher?
Laudeci Martins - A credibilidade nas ideias que defendo.
Sempre digo que professores/professoras/pesquisadores/pesquisadoras escritores/escritoras precisam de plateia (ainda que dissonante), sob risco de ficarem falando sozinhos. Não creio nas boas ideias que não sejam apropriadas por sujeitos que levem a mensagem adiante.
Nestes últimos anos tenho conseguido me comunicar com pessoas que são canais de mão dupla dessas mensagens, pois ao tempo em que levam também me trazem muito. Penso que sem essa resposta os lugares que ocupo no trabalho, na família, enfim, na vida seriam bem menos interessantes. É bem melhor caminhar acompanhado.

Lucélia Muniz - Em pleno século XXI, quais situações ainda são enfrentadas pelas mulheres? Seja na questão de gênero, na falta de políticas públicas e/ou no contexto socioeconômico.
Laudeci Martins - A violência contra a mulher, sendo que a agressão física é apenas uma parte desta questão, pois muitas vezes essa violência é simbólica, sutil, disfarçada.
Ainda é comum as mulheres serem violentadas no trabalho pela concepção de que o mundo do trabalho deverá ser presidido pelos homens, isto se materializa na renda inferior, mas também nas dificuldades presentes no exercício da liderança e na consolidação da credibilidade.
Ainda se percebe a violência manifesta na obrigatoriedade de que se cumpra um ‘programa de mulher’, ou seja, casamento, filhos e ‘bom comportamento sexual’. Neste particular, muitas companheiras se violentam na manutenção de relações afetivas esvaziadas de sentido somente para satisfazerem o papel a elas atribuído.  Um papel que muitas vezes é exercido com o aprisionamento do corpo, da emoção, do desejo. Nas conversas com mulheres é recorrente ouvir-se que embora a relação não a interesse mais, precisam mantê-la pelos filhos, pela expectativa da sociedade, enfim.
Ainda é comum a violência contra a conduta feminina. Aqui me refiro às muitas companheiras estupradas e acusadas de serem as responsáveis do ato, por terem comportamentos ‘inadequados’ ou vestirem roupas ‘provocantes’.
Ainda é comum a violência manifesta na obrigatoriedade da maternidade quando há casos em que esta dimensão da vida não as interessa.
Ainda é comum a violência manifesta na obrigatoriedade da maternidade atrelada ao casamento (ainda que não formalizado) quando há casos em que esta condição não é desejada.
Ainda é comum a violência manifesta na obrigatoriedade da maternidade associada à relação heterossexual quando há casos em que a orientação sexual é outra.
Enfim, se tem uma luta que precisa ser travada diariamente é justamente a luta pelo direito ao exercício das escolhas presididas por si e não moduladas pelo Outro, independente de quem este seja.

Lucélia Muniz - E como a Educação pode ser usada como uma “arma” no combate a estas situações?
Laudeci Martins - Acho que a educação formal e escolarizada ainda faz muito pouco por essas questões. A educação ainda é muito focada no desempenho escolar, nos conteúdos do currículo, nas determinações institucionais. A escola como espaço da multiplicidade precisa incorporar debates de fundo filosófico que ajudem na superação destes entraves, pois embora haja movimentos nesse sentido, os mesmos ainda são tímidos.
Desejo que na escola (mas também fora dela) se discuta mais a importância do exercício da liberdade do feminino, pois até que ponto nossas aulas, oficinas e demais vivencias escolares estão tocando nesta ferida herdada historicamente? É uma bandeira que nos educadores precisamos abraçar sob pena de estarmos falando de liberdade e aprisionado corpos, ditando posturas, discriminando comportamentos, enfim.

Lucélia Muniz - Deixe-nos uma mensagem neste Dia Internacional da Mulher.
Laudeci Martins - Que nenhuma de nós se contente em ser menor que seu sonho, ainda que seu sonho afronte as ideias consolidadas historicamente. Até por que, por tudo que falamos até aqui, a construção da liberdade de ser mulher passa, necessariamente, por esta desconstrução. Mas, ao contrário do que possa parecer tal desmonte não está apenas no além, no Outro, nas leis, nas instituições, mas sim em cada uma que se dispuser à vigilância diária dos seus limites, mas, sobretudo das suas possibilidades.

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